quinta-feira, 14 de julho de 2011

Um conto da Morte #3


A cidade tinha uma cultura rica e distinta, assim como as roupas que esses cidadãos usavam. Porém os tempos eram difíceis. Ao longo de poucos anos diversas atrocidades aconteceram. Essas atrocidades, oriundas de divergências políticas e culturais, retiraram a felicidade de muitos cidadãos, no entanto um playground onde as mães e suas crianças brincavam alegravam, de certa forma, a cidade fronteiriça desse país. Não se sabe ao certo o número de crianças ou mães que ali estavam, porém, sabe-se que as crianças do playground brincavam, riam, caiam e choravam. Mas a naturalidade desses atos criava mais esperança e sobrepunha-se ao medo do futuro que lhes aguardava.
O playground tinha diversos brinquedos. Um balanço, uma roda, um emaranhado de barras de ferro em que as crianças ficavam escalando. Uma gangorra que deixavam as crianças cheias de emoções fortes e boas. Entretanto, as crianças pararam um minuto quando um clarão as cegou por instantes. Ao retornarem a si não viram mais suas mães que estavam nos bancos um pouco mais afastados do playground. Algumas crianças ficaram assustadas, mas de repente uma sombra negra apareceu no meio do playground transformando-se em uma senhora rechonchuda, de meia-idade que usava um avental.
- Olá crianças – disse a moça com pesar.
As crianças se entreolharam e cochicharam entre si. A moça podia ouvir o que as crianças diziam: “ela é mágica?”, “parece a merendeira”, “ onde esta a mamãe?”. Eis que de repente uma criança tomou coragem e perguntou:
- Você é mágica?
- De certa forma – disse a moça.
­- Onde esta a minha mãe – perguntou a criança – não to vendo ela.
- Ela já vai chegar, criança - disse a moça – mas não se preocupe. É só vir comigo.
- A minha mãe também moço? – perguntou uma criança de mesma idade com um rosto de esperança e medo
- Vai demorar um pouco, mas ela logo vai vir – respondeu a moça
- Tem certeza tia?
- Pode confiar em mim – disse a moça de meia-idade - Agora eu vou pedir que vocês me acompanhem.
- Eu quero minha mãe – disse uma criança que parecia mais madura que as outras – não vou sem ela.
- Criança, esta na hora de ir - disse a moça com intensidade.
As crianças começaram a chegar perto da moça e em instantes a moça transformou-se em uma criatura encapuzada e desceu a sua foice. O jornal do dia seguinte mostrava um lugar que a tempo servia de esperança para a cidade e que agora servia como cicatriz das ações humanas.

Um conto da Morte #2


Ninguém sabe em que lugar do espaço-tempo isso o correu, nem mesmo quem escreveu essa história. Sabe-se, no entanto que ocorreu em uma cidade em um inverno rigoroso em que a neve caia com bastante intensidade. Existia um bairro nessa cidade em que todas as pessoas estavam quentinhas dentro de suas casas, um dos poucos bairros que possuíam essas especificidades.
Dentro desse bairro, em uma dessas casas havia um velho, ele fez questão de ser descrito dessa maneira, que estava ao lado do fogão à lenha e que saboreava um chimarrão. Ninguém sabe ao certo a idade desse velho homem afinal fazia tempo em que não deixava a sua casa, a não ser por instantes em que precisava receber sua aposentadoria, parece que tinha poucos ou raros amigos, se é que tinha algum.
Nessa noite, acredita-se que era perto das onze horas, enquanto saboreava seu chimarrão apareceu diante de seus olhos uma figura estranha, uma criatura encapuzada que segurava uma foice gigantesca. Seu olhar para a criatura era de susto, mas de alívio de certa maneira. O velho homem então disse:
- Ora, por favor, sem entradas triunfais, eu estou muito velho para esse tipo de coisa!
A criatura então se transformou em um homem de meia idade vestindo roupas para o inverno
- Essa cidade é muito fria nessa época – disse aproximando-se do fogão a lenha.
O velho homem ofereceu humildemente um chimarrão para o homem de meia idade e disse:
- Tome um chimarrão vai ajudar a se esquentar
- Ah, obrigado o senhor é muito gentil – disse o homem ao pegar a cuia de chimarrão.
- Mas a que devo a sua visita? – disso o velho homem
- Acho que ambos sabemos o que eu vim fazer aqui – respondeu o homem de meia-idade
- Sim, Sabemos. Mas me diga, você acredita em Deus? – perguntou o velho homem.
- É uma pergunta perspicaz, mas prefiro não respondê-la – respondeu o homem de meia-idade
- Acho difícil enganar a Morte – disse o velho
- Eu diria impossível – respondeu a morte enquanto devolvia a cuia para o velho.
O velho enquanto servia outro chimarrão para si disse:
- Sabe, sempre tive uma curiosidade em saber como seria a morte, não exatamente a figura dela, não como ela se apresentava, mas como seria após isso, após ela se apresentar.  Mas nunca imaginei que ela teria tempo para tomar um chimarrão.
- Nosso tempo é bem diferente do seu. E também, quem não gostaria de ouvir alguém com tanta experiência afinal – disse a morte
- O senhor é muito agradável – disse o velho – Sabe, tive muitos momentos em minha vida. Quando era mais novo e possuía a curiosidade de saber como tudo funcionava, queria saber como era a vida após a morte, inclusive esperava por esse momento, mas não por estar em um momento depressivo, apenas por curiosidade.
Parou um momento de falar e tomou um gole de chimarrão
- Depois, quando conheci pessoas tão importantes e que tanto amei em minha vida, essa curiosidade ficou em segundo plano, quis viver para sempre – disse o velho
- “Quis”? – disse a morte – não queres mais?
- Elas não puderam mais mostrar seus sorrisos a mim – disse o velho
- Hum... Entendo – disse a morte de forma a confortar
- Depois que se está sozinho, começa-se a pensar sobre os erros que se cometeu. Acho que é por isso que muitas pessoas não param para observar um sorriso ou um gato e olha que gatos são muito divertidos.
- Você cometeu muitos erros?
- Ah! Sim. Milhares eu diria, alguns imperdoáveis – disse o velho
- Imperdoáveis? – indagou a morte
- Sempre achei que fossem – comentou o velho - O mais engraçado nisso tudo é que me perdoaram. Talvez o mais difícil seja perdoarmos a nós mesmos – disse o velho enquanto servia outra cuia para a morte - Mas, tinha tanta desgraça no mundo que era difícil ser correto o tempo todo e não deixar-se levar.
A morte agora saboreava um chimarrão.
- Mas, por favor, não me entendas mal – disse o velho- eu não culpo ninguém dos meus erros. Fui como todo mundo. Em muitos momentos parei de observar as coisas bonitas do mundo. Não sentia o cheiro das flores e das risadas. Talvez, na época achei que fosse falta de uma ajuda sobrenatural.
- E é por isso que o senhor não acredita em Deus? – indagou a morte
- É difícil parar pra pensar sobre isso nesse mundo acelerado. Mas se Deus existe, ele deve ter seus motivos para não aparecer – respondeu o velho
- Você já parou pra pensar em quais seriam esse motivos? – perguntou a morte
- Acho que ele gostaria de nos mostrar que não precisamos de uma força norteadora para nos mostrar qual o caminho que deve ser seguido. É necessário questionar e bater de frente. Seria muito mais verdadeiro do que uma ditadura espiritual e vou te confessar vejo muitos desses por aqui! – disse o velho
- Mas não seria um caos por aqui se esses ditadores não existissem? – perguntou a morte
- Se todos se importassem em descobrir o que é correto por si só o mundo estaria se encaminhando para um bom caminho. Veja bem, o erro não é o problema e sim a persistência dele, imagine a intensidade do erro quando não paramos pra pensar se ele é um erro – disse o velho.
- Meu velho, é muito bonito o que tu me disseste, mas temos que ir – disse a morte
- Já? – perguntou o velho
- Infelizmente, preciso encontrar um escritor, seu tempo esta quase acabando – disse a morte
- Tudo bem então – disse o velho dando uma ultima olhada para seu fogão a lenha
- Vamos, tem muitas pessoas lhe esperando, mas se te perguntarem eu nunca disse isso e todo mundo acredita na morte – disse a morte enquanto ajudava o velho a se levantar e em um estalo ambos sumiram.
Mesmo assim na manhã seguinte o velho ainda estava do lado do fogão à lenha parecendo um jovem que dormia tranquilamente.

Um conto da Morte #1


Em um lugar que não era o seu, em uma data que podia ser a sua melhor um garoto de uns vinte anos dispara rajadas de uma metralhadora semi-automatica em direção ao inimigo que nem compreende seu idioma.
Nesse momento o tempo parece congelar, não se ouve mais o barulho dos tiros, bombas e gritos. Frente aos olhos do garoto surgem sombras que logo adiquirem a forma humana, uma bonita mulher aparentando uns vinte e poucos anos que lhe diz:
- Você quis estar aqui então tive que me apressar em te encontrar.
O garoto em meio ao tombo de susto que levou olhava fixamente aquela bela figura que era suave embora tivesse um ar tétrico e sombrio.
- Você...Você... é... um anjo...? - Disse ele gaguejando.
E como resposta obteve:
- Sou muitas coisas. Para uns um anjo, pra outros um mal, às vezes me julgam até solução. O fato é que sou inevitavel ainda que me adiem.
- Então... então.. estou morto e você é a morte que veio me buscar...
- Sim, você me quis cedo.
- Quis?- Falou o garoto com ar de surpressa
- Sim, veio a guerra voluntariamente.
- Eu vim defender a liberdade desse povo oprimido - Diz o garoto com pompa de herói.
A morte ri e lhe diz:
-Se veio por tão boa causa por que esse povo oprimido te recebe a tiros?
Por um instante o garoto para pra pensar a respeito do que a morte falou e do porque esta ali mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa o tempo descongela uma bala cruza o ar esvoaçando a figura da morte e atrevessa sua cabeça.